sábado, 5 de julho de 2008

CAP 1: Você sabe e deveria estar feliz.

Violeta e Augusto descem a rua Platina para ir estudar no periodo noturno do Instituto.

AUGUSTO: São três horas da manhã, você me liga. Pra falar coisas que só a gente entende. São três horas da manhã, você me chama. Com seu papo poesia me transcende

VIOLETA: Oh meu amor. Isso é amor. Oh meu amor. Isso é amor. É amor... é amor...

AUGUSTO:Sua voz está tão longe ao telefone. Fale alto mesmo grite não se importe. Pra quem ama a distância não é lance. Nossa onda de amor não há quem corte

VIOLETA: Oh meu amor. Isso é amor. Oh meu amor. Isso é amor. É amor... é amor...

AUGUSTO: Pode ser de São Paulo a Nova York. Ou tão lindo flutuando em nosso Rio. Ou tão longe mambeando o mar Caribe. A nossa onde de amor não há quem corte.

VIOLETA: Oh meu amor. Isso é amor. Oh meu amor. Isso é amor. É amor... é amor... Tá ficando legal né Guto! Logo logo vamos cantar e fazer o maior sucesso que nem a Gang 90.

AUGUSTO: Pra você ver a que ponto chegamos! Um cabra macho feito eu, plena era 43 d.L., consciente da Revolution: (Don’t you know it’s gonna be. Alright! Alright! Alright!), cantando essas coisas parecendo muito mais com Jane e Herondy – Não se váááááááááá! É o fim dos tempos!

VIOLETA: Já disse pra voce parar com essas mania de endeusar o John Lennon. Deus é um só, Tripartido e vemos suas faces segundo nosso merecimento. Você parece que não reza. Já falei pra você parar com essa coisa de ser ateu. Credo em cruz Ave Maria!

AUGUSTO: Mas eu não sou ateu Vi! Eu só acho que Deus deve ser mais engajado no mundo em que ele criou. Voce fala isso do John porque você gosta do macio do Paul McCartney. E... Violeta interrompe.

VIOLETA: O Paul não é macio! Ele é lindo e o mentor muscal dos Beatles. Esquerdóide que nem o Lennon havia aos milhares nos anos 60. O Lennon é genial sim, mas teve a sorte de cair na banda do Paul... deixa pra lá vai voce é insensível!

AUGUSTO: O meu pensamento disse pra você por diversas vezes. Acredito em Deus por ser uma afirmaçao racional e prática. Ora, se Deus não existir e eu nao crer nele, nao me ocorrerá nada de mal; mas se ele existir e eu nao crer... vou pro inferno! Entao por definiçao devo crer nele para nao correr riscos!

VIOLETA: Vamos deixar isso pra lá senão a gente briga de novo. Voce vai no Porão final de semana? Fica sabendo desde já que Angela vai.

AUGUSTO: Agora sou eu quem digo vamos deixar isso pra lá senão a gente briga de novo. Ela é sua irmã, minha ex e é normal voce defender ela. Sem mais?

VIOLETA: Você sabe que eu torço pra vocês dois. Olha o tanto de risco que eu corri pra acobertar vocês dois. Nao seja radical Guto!

AUGUSTO: Meu bem. Somos amigos desde criança, estudo com voce a séculos, aprecio muito a sua amizade e adoro ir com voce pra escola; mas deixa esse negócio da sua irmã pra eu tomar minhas decisões por mim mesmo.

VIOLETA: Mas aquele cara lá que voce viu com ela nao tem nada a ver. Ele é apaixonado por ela e fica mandando flores, ela gosta é de você e sempre cortou ele. Ela te ama!

AUGUSTO: Você estudou pra prova de matemática? Eu estudei mais ou menos acho que dá pra me garantir!

VIOLETA: Não desconversa Guto. Já dizia o velho Paul: You Think You´Ve Lost Your Love

AUGUSTO: Foi o Lennon quem disse: Well I Saw Her Yesterday

VIOLETA: O Paul é mais sensível: It´S You She´S Thinking Of

AUGUSTO: Ai, ai ai: And She Told Me What To Say

Os dois se abraçam em meio de altas gargalhadas reconhecendo o absurdo da discussão na porta da escola apertando o passo.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Sobre a disposição cultural para a barbárie.

Não creio que seja melhor retroceder.
Os caminhos que nossa sociedade ruma são muito questionados nos dias atuais. No século XVIII, os iluministas ditavam que o fim último do desenvolvimento cultural seria o controle da natureza em nome da emancipação humana; tal feito secularizaria as ciências e faria do homem senhor absoluto entre as potestades naturais. O decrépito século XX e o impúbere século XXI questionam a eficácia do projeto iluminista, eventos que poderíamos chamar de conseqüências irreversíveis que duas guerras mundiais sugerem em um mundo globalizado.
Qual a razão em questionar o desenvolvimento tecnológico? Acredito que seja porque ele cria uma nova forma de limitação para o ser humano que já não é mais as intempéries naturais. Quem domina melhor a natureza ganha o direito de dominação, que outrora era dessa natureza que agora está sob controle, em relação ao outro que estaria de qualquer forma limitado, quer pela natureza quer pelo dominador da natureza e agora dele também. Talvez seja essa a motivação de Hobbes para o “Homo homini lupus”. Enfim, o aumento de capacidade de ação do homem para com os revezes naturais, em vez de eliminar um imperativo restritivo, apenas acresceu mais um.
Longe de esgotar as razões que incentivaram o homem a duvidar do progresso tecnológico, penso que esse esboço de justificativa orienta suficientemente o propósito textual. Um amigo enviou-me, recentemente, algumas das reflexões do anarco-primitivista John Zerzan. Tive contato com algumas de suas considerações sobre a civilização, elas apontam a formação da cultura simbólica, da linguagem, das artes e do número como mediações que nos distanciam da realidade como ela é. Em vez de emanciparem o ser humano, como queriam os iluministas com seus direitos inalienáveis, elas propiciam a gênese de uma cultura tecnológica que culminaria, necessariamente, nas barbáries que o século XX apenas começou a protagonizar.
Em sua obra “Futuro Primitivo” de 1994, uma das possibilidades a serem pensadas como alternativa para inverter essa lógica que o advento da cultura simbólica pressupõe, indica para o que chama de retorno aos ideais das comunidades primitivas. Tal definição retoma alguns dos valores que a humanidade viveu nas primeiras sociedades, como as divisões de alimentos e a sexual do trabalho. O fato dos homens caçarem e das mulheres coletarem os alimentos vegetais, não dava uma supremacia masculina em relação ao trabalho, como nas sociedades modernas, pois a mulher não dependia do homem para sobreviver, seu sustento já estava garantido com o trabalho que realizava. Uma sociedade que retome esses valores das comunidades antigas é o que defende Zerzan como uma possibilidade de reação ao distanciamento do ser humano para com a natureza.

Dessas opiniões tenho que destacar alguns aspectos importantes:
1- A idéia de que o que é novo não é necessariamente melhor;
2- Enxergar a cultura simbólica (ocidental) como instrumento de dominação do homem pelo homem;
3- Atribuir importância da divisão sexual do trabalho como fator desagregador.

Ver a sociedade como fruto de uma idéia que visa o lucro, mesmo que seja por cima de valores humanos, sintetiza a tríade acima mencionada. Entender e tentar sistematizar uma ação com esses referenciais epistemológicos, já é um grande empreendimento que poucos tem a audácia de ousar. Contudo, acredito que existem algumas problemáticas que essa posição suscita. O que determina o primitivismo? O ideal primitivista ou o abandono estrutural do desenvolvimento tecnológico? Abandono as técnicas da medicina que fazem com que meu pai melhore cada dia mais de sua enfermidade em nome de uma “era de ouro” primitivista? Se a cultura é um instrumento que aliena o homem, ela não pode ser usada de forma “invertida”, ou seja, para “humanizá-lo” com a mudança de uso de tal instrumento? Essas questões e outras de mesmo caráter são de vital importância para o desenvolvimento dessa singular teoria de John Zerzan.
Para fins concludentes, vou me apegar ao velho sábio grego Aristóteles. Em Ética a Nicômacos 4º edição Brasília UNB 2001 página 42, o filósofo coloca as estratégias para a busca da virtude nas ações:

“Estou falando da excelência moral, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e meio termo. Por exemplo, pode-se sentir medo, confiança, desejos, cólera, piedade, e, de um modo geral, prazer e sofrimento, demais ou muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom: mas experimentar estes sentimentos no momento certo, em relação aos objetos certos e às pessoas certas, e de maneira certa, é o meio termo e o melhor, e isto é característico da excelência. Há também, da mesma forma, excesso, falta e meio termo em relação às ações. Ora, a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência moral, portanto, é algo como eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio termo.”

Nessa visão aristotélica, pode-se afirmar a importância de se buscar o que chama de excelência moral. Existe o excesso, a falta e o meio termo e a excelência moral se situa no meio termo, ou seja, o ponto eqüidistante entre dois vícios: um por falta outro por excesso. Enquanto a supervalorização dos meios de mediação entre homem e natureza caracteriza um vício por excesso, a visão que Zerzan opõe à cultura instrumental e tecnocrata, mostra ser um vício por falta, contudo, um vício. Com esse panorama é notório um ambiente propício à discussão sobre os destinos e posições a serem discutidos e adotados por nós, a sociedade contemporânea.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Sobre a predileção pela poesia.

É lugar comum em qualquer discussão, sobre a relação entre a poesia e o povo, opiniões desairosas a respeito do gosto popular. Muitas vezes, dizem que a poesia é algo restrito aos grupos de intelectuais, os de gosto refinado, que sabem apreciar as intenções sagazes de um verdadeiro poeta. Já ouvi dizer até que a poesia é um privilégio de classe, na pós-modernidade o proletariado não tem condições e nem tempo para tais frivolidades; chamemos isso de discriminação estética.
Ante tais concepções, alguns questionamentos surgem de imediato. Não pergunto aos professores de Artes por serem eles os únicos a terem cadeira cativa no céu, por óbvias razoes de estética Renascentista; mas, professores de língua portuguesa, prestem atenção. Uma pessoa oriunda de uma classe social menos favorecida, que trabalha catorze horas por dia, não tem o primor suficientemente elaborado para apreciar uma poesia de qualidade? Para tanto, vou tentar esboçar, com o respaldo teórico de Octávio Paz, em “O Arco e a Lira”, as definições de poema e de poesia, pois, nesse caso, parece ser a confusão para se afirmar tamanho disparate.
Para caracterizar-se um poema, é necessária a métrica, que são as regras da língua do poeta que exprimem o conhecimento da arte da versificação. O autor ainda completa dizendo que o poema é uma obra que envolve um algo a mais. Um soneto elaborado com todos os rigores de uma métrica sofisticada mostra-se como uma belíssima obra sem ser, em si, um poema, contudo, não deixa de ser forma literária – dotada de estrofes, metros e rimas. A poesia é que transformará essa forma literária em poema.
Ah a poesia! Octávio Paz deixa à poesia um status de grau elevadíssimo, em sua célebre definição e distinção entre poema e poesia. Dirigida à sensibilidade, a poesia é a celebração do ser humano que se revela, plenamente, no poema. Pode haver poesia sem poema, em manifestações sem métricas que toca o que o ser humano ainda tem de humano. Fusão perfeita entre forma e substância, o poema é uma estrutura literária que encerra a completude poética.
Imaginem uma banda de punk rock. Os integrantes ao comporem ou selecionarem uma canção, para seu repertório, estarão ocupados em harmonizar o conteúdo poético da canção, com o poema e o arranjo musical. Por serem músicos, normalmente, o aspecto musical vem em primeiro lugar. Jamais esperem de uma Plebe Rude um soneto nos rigores de Camões, natural é de fato uma melodia crua como forma de mostrar sua poesia, depois vem a letra. O mesmo se aplica aos outros gêneros musicais de canções populares.
Então, ao se dizer que a poesia é um privilegio de classe, se afirma também que um sujeito abastado é mais ser humano do que um desfavorecido economicamente. Toda pessoa gosta de poesia, entretanto, se não prefere ver sua revelação plena como no poema, não quer dizer que o gosto dela é inferior ou superior ao de outrem. É apenas diferente. A diversidade artística é a marca de toda sociedade democrática. Não vamos subestimar as preferências artísticas e poéticas por seus gêneros, mas sim por seus conteúdos. Critério de conteúdo seria tão somente qualquer tipo de descriminação social, cultural ou racial. Se não isso... Um brinde à poesia!