domingo, 15 de abril de 2007

Policarpos do século XXI.

O cinema é a estética massificada contemporânea por excelência. É a forma em que nossos convivas no mundo, em sua maioria, se relacionam com a natureza humana em uma representação de gênios criativos. Podemos identificar nas condições de criação artística, em todos os tempos da sociedade, o reflexo de suas aspirações ideais e produtivas. Vemos a dificuldade dos diretores em viabilizar concretamente seus roteiros devido ao pouco investimento na técnica cinematográfica, ou seja, muitas idéias na cabeça e poucas câmeras nas mãos (essa dificuldade das câmeras será sanada alguns parágrafos em diante). Enfim, o cinema é um privilegio para poucos, tanto pela dificuldade material de se fazer o filme quanto pela mesma dificuldade que os menos favorecidos tem de vivenciar o que chega até nossa telas, portanto, o cinema é a arte contemporânea massificada por excelência? Atende ao sacrifício da aura da obra de arte, colocada por Walter Benjamin, em nome de uma suposta consciência de classe? Como “brasilisar” uma evolução tecnológica importada?

O dia catorze de abril de dois mil e sete foi importante para a cultura assisense. Foi exibido no cinema municipal o filme Cafundó, dirigido por Paulo Betti, e, no final da exibição, tal diretor veio inundar o auditório do cinema com sua sabedoria cinematográfica. O filme foi estrelado pelo ator Lázaro Ramos, que interpretou o místico João de Camargo, ex escravo que fez a fama de milagreiro na região de Sorocaba; narra a história biográfica desde a infância escravocrata, passando pela lei Áurea, culminando nos milagres atribuídos ao preto velho. Historia essa muito bem contada que, segundo o diretor, teve alguns excertos de ficção. Posto que, o objetivo da filmagem, fosse passar as dificuldades enfrentadas pela tumultuada vida de João de Camargo e seus problemas com a ordem religiosa católica sorocabana, tais metas foram alcançadas. Trata-se de um bom filme histórico.

Depois de uma breve introdução do diretor, antes da projeção, houve um debate sobre o filme ao término do filme. Paulo Betti ressaltou algumas questões sobre a baixa qualidade do áudio da sala. Nesse momento, começaram as discussões sobre a relevância de assistir cinema nacional, como uma forma de valorizar os atores brasileiros que refletem nossa realidade. O diretor assumiu uma postura que fazia apologia às televisões comunitárias como meio de se passar filmes produzidos nas respectivas regiões. Defendia um processo de “capitalização” dos grandes artistas, no sentido deles buscarem carreira nas grandes capitais, pois estaríamos: “Longe demais das capitais”. Disse que uma pessoa havia o procurado com um roteiro de filme e que não tinha condições de levá-lo às vias de fato, pelos impasses materiais. Para solucionar esse problema, sugeriu ao roteirista ir em busca de câmeras digitais, e que na Holanda, havia um festival de cinema somente com roteiros gravados em câmeras de aparelhos celulares. Só não faz cinema quem não quer, resolvendo assim o parêntese aberto no primeiro parágrafo. Idéias brilhantes que nenhum interiorano seria capaz de desenvolver. Sorte a nossa de ter contato com esse tipo de pensamento por meio do diretor, que desceu à plebe com o fim de estimular a atividade artística.

É impressionante a dificuldade que um diretor de cinema tem para divulgar sua arte. Divulgou estatísticas que diziam que das duas mil salas de cinema existentes no Brasil, apenas cinco por cento passam filmes nacionais. Uma vez, quando foi ao festival de Burkina, na urgência de viabilizar recursos para a ida ao continente Africano, teve que angariar recursos com a Rede Globo, que, por sua vez, possibilitou o êxito do empreendimento. Respondeu algumas perguntas feitas pela platéia que, em coros uníssonos de palmas em atrito, tinha sempre a habilidade de interromper o discurso antes de sua conclusão, em virtude de eventuais frases de efeito. Praticamente: “Policarpos do século XXI”.

Findado debate, todos voltaram um tanto mais sábios para casa. Uma verdadeira aula de brasilidade e arte nos tempos atuais. Parabéns aos organizadores!

Um comentário:

Sanabria e o Mundo Non-Sense disse...

A ironia é energia vital dos loucos.